sexta-feira, 18 de abril de 2014

Todos queremos ir a Macondo

Soube hoje pela manhã da morte do brilhante Gabriel García Márquez... Confesso que contive as lágrimas! Vieram à minha mente várias formas de homenageá-lo, mas tudo parecia pequeno, repetitivo e raso. Quando vi o texto do amigo Daniel Massa, poeta de extrema sensibilidade, e pensei: - Vou republicá-lo! Foi através do Daniel que tive contato com uma das obras-primas de Gabo, Amor nos tempos do cólera. Nós ainda cursávamos a faculdade de Letras, quando o meu querido manow teve um gesto de generosidade para comigo e me fez mais apaixonada ainda por Márquez. Obrigada, Daniel! Obrigada, Gabriel!

Fonte: Eu sou um sapo


No último sábado, fui convidado em cima da hora para uma festa em homenagem aos estudantes latinos na França. Aceitei, claro.
Não sou o que se pode chamar de uma pessoa simpática, mas consegui fazer alguns amigos aquela noite. Conversei longamente com amáveis russas, ajudei os franceses com as tarefas domésticas, adicionei um sorridente panamenho no facebook e assisti às meninas dominicanas dançarem no melhor estilo chacal rápido e rasteiro. Mas talvez tenha sido o minuto e meio em que conversei com uma colombiana que me marcou mais. 
É um vício um pouco idiota esse que a gente tem de procurar referências óbvias de um país estrangeiro para estreitar laços com seus habitantes. Outro dia, me despedi de uma mexicana no bar aos gritos de “Viva Zapata!”, ao que a moça — penteado britânico, roupa americana e inglês fluente desfilado durante toda a noite — sorriu amarelo e balançou a cabeça: “Babaca”.
Que merda. Os latinos na França são todos ingleses.
Enquanto a colombiana procurava uma música de seu país no youtube, eu disse:
— Coloca Shakira.
Ela foi sagaz.
— Shakira é americana, não tem nada a ver com a Colômbia.
Ponto. Foi o suficiente para que na frase seguinte eu abrisse meu coração.
— Gabriel García Márquez mudou a minha vida.
Ela sorriu e tentou repetir sem sucesso o que eu disse para a sua amiga que dançava algo como el baile del perrito.
Tudo bem. Ali eu já havia reacendido uma antiga paixão.
Tinha 15 anos quando li Cem anos de solidão a primeira vez. Era um garoto que ficava errando pelos livros da biblioteca da escola e foi assim me deparei com uma coleção de banca de jornal d’O Globo. Olhei o livro com a capa toda azul e li o título na lateral. Quando se é adolescente, qualquer minuto sozinho é insuportável, cem anos me pareciam muito tempo para se cultivar a solidão. Li.
E Gabriel García Márquez mudou a minha vida.
Ele me fez prestar vestibular para Letras, ele me fez continuar escrevendo poemas e ficções, ele me fez ser professor de literatura.
Hoje, a notícia mais recente que eu tenho de Gabo fala sobre o seu estado avançado de demência senil. Não há memória. Não há mais livros. Não há sequer um rosto familiar para Gabo. Talvez ainda haja espaço para qualquer coisa de bonito, que lhe invade a cabeça quando bate um vento mais forte e sai antes mesmo que possa deixar qualquer vestígio de que esteve por ali.
E é assim que eu vejo Gabriel García Márquez hoje. Vivendo numa Macondo que ele ergue todos os dias e se desmancha antes mesmo de ficar pronta, abrindo espaço para uma nova construção na manhã seguinte.



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